domingo, 27 de junho de 2010

Liberdade: os limites do prazer

Liberdades: os limites do prazer
(Roberto Curi Hallal)

O prazer ingênuo, travestido, sacana e safado, comportado, oculto ou vestido na fantasia que o comporte; sempre pleno e irresponsável na percepção; assustadora forma de romper a solidão com suas formas limitadas. Ocasionalmente, sem pedir licença, interrompe o nosso sono, trabalho e concentração. Como dominó preto, cobre o corpo inteiro e não mostra o rosto, mas como palhaço, passa a constituir-se numa forma urgente de estardalhaço e de fazer rir.

Se violento e imposto, o prazer rompe a candura esperada e decepcionante de quem o sofre; se brincalhão, inclui o cheiro dos corpos e caminhos novos a despertar a curiosidade de fazer-se escondido.

Às vezes pleno, o prazer é inconstante, insone; outras, irrigador das partes áridas do corpo de quem descobre de novo pela primeira vez. Às vezes perfume, bebida, praia, jeito de olhar ou lembrança; outras, é sorriso, queixo, ombro, boca ou uma nova forma de gozar.

Aquele que o vive e sente corre o risco de ser feliz. Aquele que consegue tê-lo completo em alguém acaba preenchendo com a imaginação, a sua falta. Assim como a satisfação não cabe numa só meta, o amor não cabe numa só pessoa, a satisfação, num só objeto, as frases musicais numa só partitura, assim também a abrangência da expectativa ideal jamais será permanente satisfeita no real. O sujeito que percebe a vontade do prazer mobiliza-se no sentido da renúncia ou no gozo, assim como decorador esforçado em produzir acabamento exclui ou inclui peças e vira sonhador e poeta criando versos sem rima, embora às vezes, como animal, só queira possuir deixando de lado o acessório da ternura e da consideração.

É ingênuo pensar-se que os amantes só amam. Precisam também ser amados.

O corpo fala de gozo. A renúncia dele leva a censura que vitoriosa, parabeniza o renunciante, que desavisado não sabe da conexão que une o caminho do adiamento e o da depressão, a qual nos faz pensar pequeno, desaproveitando os potenciais esquecidos. Ao esquecer das paixões, o coração aposentado dispara, a boca desértica seca e a coxa molha. A saudade presente é quem na esperança opõe-se à desistência.

A inibição nos leva amadoristicamente a gerenciar as discórdias e a administrar a solidão.

Entre mortos e feridos passamos a ser contadores de histórias passadas como se, por distantes, elas não nos pertencessem; ou como se ocultando as paixões, pudessem abortá-las por impossíveis.

A legião crescente de queixosos são meros amantes frustrados que ao perderem o passo, não se atualizaram no cuidado de si mesmos. Acabando por se tornarem vítimas da própria censura.

Os prazeres entregues aos sonhos promovem o pesadelo, mas se disfarçam na vigília, na desesperança, no envelhecimento precoce, e oferecem conteúdo à acusação, perpetuando a cegueira própria de quem se esforça para não acreditar no amor.

Ainda que a maravilhosa memória se negue a esquecer, o prazer volta disfarçado em sintomas como denúncia de desejos incumpridos. Seus disfarces se combinam com saudades, repetições gerenciando tédios e buscas, constituindo-se assim em uma oposição ao viver.

Cabe ao humano, como recurso pensar que o prazer é atemporal, sem regras, que não tem nome de pessoa, não é passível de contenção constante, que é irreverente na forma e no conteúdo.

Todas as especulações em contrário são arranjos hábeis da censura visando impedir a existência do prazer na plenitude enquanto fenômeno vital, manifestação própria de ser humano.

Os deuses controlam o prazer proibindo-o; os humanos o sentem quando se permitem.

Sbrash – RBSH – Volume 5 – Nº 1 - 1994

Postado por - ELisângela

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