segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Freud e a Religião na Contemporaneidade

Freud e a Religião na Contemporaneidade




Elisângela Lima Guedes



É de se esperar que o ser humano contemple com os avanços da ciência uma superação das suas necessidades de amparo e proteção, pois segundo (FREUD,1976), o ser humano desde a infância tem a necessidade de proteção, sendo a figura do pai algo relevante no processo de desenvolvimento do individuo, a religião vem como propósito de orientar sobre as questões da vida e nos proteger através da onisciência e onipresença de Deus e a ciência e a tecnologia veio como forma de desvendar os acontecimentos que até uma determinada época não era compreendida pelos homens e não tinha-se a possibilidade de controlar. As figuras do pai expressas na família/religião/estado é proporcionar ao individuo a tão sonhada segurança, mas podemos perceber que elas não são capazes de suprir todas as necessidades do ser humano, pois eles continuam com a sensação de desamparo (SAFATLE, 2010).



Como ressalta Safatle (2010, p.18-19)

“[...] a experiência do desamparo à angustia, cuja fonte encontra-se nos desdobramentos do estado de prematuração do bebê ao nascer (com sua incompletude funcional e sua insuficiência motora). Por nascer e permanecer durante muito tempo na incapacidade de prover suas próprias exigências de satisfação, o bebê estaria sempre ás voltas com uma situação de desamparo que marca seu modo de relação com os pais.”



Ao nascer e durante toda a fase inicial da vida humana temos uma necessidade de sobrevivência e só temos condições de permanecer vivos através do cuidado e proteção do outro e esta situação determina o modo de relação com os pais e/ou responsáveis.



Safatle (2010, p.20), assim se posiciona “[...] tais sujeitos serão socializados no interior da família. Elas entram no núcleo familiar como quem procura principalmente, um modo de defesa contra o sofrimento psíquico advindo do sentimento de desamparo.”



O sentimento de desamparo torna-se uma fonte de busca por proteção, pelo fato do homem não se sentir capaz de quebrar os vínculos do ideal de cumplicidade e solidariedade que permeia as ligações familiares.



Citado por Safatle (2010, p.21) Freud exemplifica essa relação que se encontra no seio familiar e por seguinte é subtraída para exaltação da proteção oriunda da religião das seguintes maneiras:

Primeiro –

“[...] a exploração psicanalítica dos indivíduos ensina de maneira enfática que o deus de cada homem é formado a partir do pai, que a relação pessoal a Deus depende da sua relação ao pai carnal, que ela oscila e se transforma a partir desta última, e que Deus, no fundo, não é outra coisa que um pai elevado.”

Segundo – “Há nas massas humanas uma forte necessidade de uma autoridade que se possa admirar (...) A psicologia do individuo nos ensinou de onde vem tal necessidade das massas. Trata-se da nostalgia do pai.”



Em relação ao papel da religião Freud (1976, p.30), “´[...] as idéias religiosas surgiram da mesma necessidade de que se originaram todas as outras realizações da civilização, ou seja, da necessidade de defesa contra a força esmagadoramente superior da natureza.”



O discurso sobre a relevância da religião vem desde a antiguidade e seguindo nosso contexto histórico a maioria das pessoas situadas no ocidente tem a concepção religiosa judaica cristã que foi internalizada através da Bíblia Sagrada. A Bíblia é dividida em antigo testamento e novo testamento e contem 66 livros que retratam os ensinamentos de Jesus Cristo, antes do seu nascimento e depois, do seu nascimento respectivamente.



Entretanto, após Jesus Cristo e seus profetas (homens inspirados por Deus para pregarem o evangelho), vários indivíduos já se intitularam como profetas e usam a Bíblia para promover uma comoção entre as pessoas e se afirmam como protetores e capazes de salvar qualquer pessoa de seus males e infortúnios, sendo que vários indivíduos independentes da situação socioeconômica se deixam ludibriar por promessas de vida plena e salvação eterna.



O que se observa nessas pessoas é um desejo de proteção e em conjunto a sensação de desamparo que é tão grande que se deixam levar pela ilusão de serem protegidas de qualquer mal, mas também os leva a uma decepção . Como cita Safatle (2010, p.19) “[...] no interior do problema do desamparo, há um verdadeiro diagnóstico social ligado a um certo desencantamento do mundo.”



Essa realidade interfere de maneira direta no mundo em que vivemos. Nossa sociedade é excludente, tem uma política neoliberal que faz com que cada indivíduo tem de ser capaz de suprir as próprias necessidades e se não consegue ter condições de ter uma vida que tem razões para valorizar ele é culpabilizado pela sua inércia e incapacidade e se sente desprotegido, desamparado.



Citando Safatle (2010, p.22)

“No interior da família, os sujeitos podem se defender de tal ausência ao se sentirem amados por figuras de autoridade que precisam aparecer como dotadas da capacidade de, de certa forma, garantir ao sujeito sua posição existencial. Estas figuras são construções fantasmáticas produzidas a partir dos pais.

No entanto, para se saber amado por tais figuras, ou, se quisermos, para ser reconhecido por elas, o sujeito deve agir, desejar e julgar a partir de um quadro de exigências sociais que a autoridade paterna encarna.”



Considerando a necessidade de proteção de uma boa parte das pessoas que vivem na ilusão de terem esse pai que é capaz de protegê-las, elas acabam se condicionado a figura de qualquer pessoa que consegue ter a aparência e o poder desse pai protetor e são capazes de sujeitarem-se a qualquer vontade estabelecida desse cuidador. De acordo com Roudinesco (1998, p. 287)

“As idéias religiosas constituem a realização dos mais antigos anseios da humanidade, antes de mais nada o de nos protegermos da onipotência da natureza, sem termos que suportar as limitações e as privações trazidas pela cultura. (...) A ilusão para se manter, não precisa ser confirmada pelo real. Freud sublima, nesse ponto, que `todas as doutrinas religiosas são ilusões´ e que `é tão impossível refutá-las quanto prová-las´.”



Podemos exemplificar o entendimento de Freud sobre a necessidade de ter um pai protetor e de se submeter integralmente a essa figura através de um caso acontecido recentemente em Ecoporanga – ES na região noroeste do estado a 320 km da capital, no ano de 2007, no distrito rural chamado Córrego do Paraíso:



Inereu Vieira Lopes nascido em Mantena – MG no ano de 1951 se converteu a Igreja Batista e em 1983, mas ao estudar as doutrinas de William Marrion Branham, considerado o precursor do Movimento Pentecostal e Carismático nos Estados Unidos depois da 2º Guerra, que preconizava a cura pela fé, foi um dos maiores líderes Pendencostais da atualidade, criador da Igreja Evangélico Tabernáculo. Ireneu passou naquele momento a acreditar que tinha recebido a convocação espiritual de Branham para exercer o ministério do Tabernáculo, fundando inicialmente a primeira Igreja em Vitória – ES, chamada Igreja Tabernáculo Vitória. Ele acredita ser uns dos profetas como foi Noé e Moisés, então passa a chamar os escolhidos de Deus para fundar uma comunidade Cristã em Ecoporanga – ES, para o povo escolhido vivenciar as bênçãos profetizadas por ele e delo como guia espiritual de forma integral deriam de se abster de todos os bens materiais, doando todo o patrimônio para o próprio pastor Ireneu.



Cerca de aproximadamente 150 famílias doaram todo o patrimônio para a Igreja Tabernáculo Vitória e deixaram parentes e amigos para irem em direção ao “Paraíso” para construírem o Condomínio Recanto das Águias com o intuito de viverem em uma comunidade santa, igualitária e protegidos pelo guia espiritual, discípulo do profeta Branham.



De acordo com relatos os fiéis trabalham durante o dia e a noite, oram e descansam, todos trabalham em prol da construção do condomínio em um terreno de 19 hectares de terra, doado por um casal de fiéis, as mulheres, lavam e cozinham e nenhum dos membros pode ter contato com as pessoas que não fazem parte dessa comunidade, acreditam que devem ser auto-suficientes em tudo e não podem morar ou comer algo que não seja construído e feito por eles, pois eles têm que ter o cuidado de não serem contaminados por pessoas que vivem no mundo. Até as crianças e adolescentes em idade escolar deveriam abandonar as escolas, pois todos deveriam esperar o dia do juízo final em comunhão com aqueles que são capazes de negar os bens materiais.



Segundo Mateus 6:19-20 “Não acumuleis para voz, outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam, mais ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corroem, e onde ladrões não escavam nem roubam.”



Entre depoimentos citados pelo site Astro Saber, uma mãe diz ter visto seu filho, integrante do Tabernáculo Vitória, vestido com uma camisa onde se lia: “Obrigado por cuidar de mim”, com a foto do pastor e a frase: “O anjo do sétimo dia”.



Segundo o livro de Apocalipse 21:3-4

“Então ouvi grande voz vindo do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens, Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus e Deus mesmo estará com eles.

E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram.”



Quem tem posse da bíblia e o dom da oratória sofista, pode interpretar e pregar o evangelho segundo as próprias conveniências, e levar multidões a escravidão material, intelectual e espiritual. Segundo Freud (1976, p. 34) “Não poucas pessoas encontram sua única consolação nas doutrinas religiosas e só conseguem suportar a vida com o auxílio delas.” Ainda segundo Freud (1976, p. 52) “{...} a religião seria a neurose obsessiva universal da humanidade.”



De acordo com o fato citado da Igreja do Tabernáculo em que a obra entrou em ebulição na capital do Espírito Santo em pleno século XX e teve a capacidade de levar vários fiéis não só do nosso Estado, mas também de Minas Gerais para Ecoporanga, no Distrito do Córrego do Paraíso, podemos perceber como alguns seres humanos são capazes de se iludir, por um desejo de estar a serviço de alguém capaz de prover todas as necessidades e protegê-los de qualquer infortuno.



De acordo com Freud (1976, p. 57)

“[...] os homens são completamente incapazes de passar sem a consolação da ilusão religiosa, que, sem ela, não poderiam suportar as dificuldades da vida e as crueldades da realidade. (...), mas [...] os homens não podem permanecer crianças para sempre, tem de, por fim, sair para vida hostil.”



Citando Safatle (2010, p. 43)

“Isto talvez nos explique porque temos tanta dificuldade em explicar como, no interior de nossas sociedades democráticas liberais, encontramos a recorrência contínua de figuras de autoridade e liderança que parecem se alimentar de fantasias arcaicas de segurança, proteção e de medo (...).”

Essa proteção sempre perpassa pelo viés da figura do pai na família, religião e estado.



Acredito que essas pessoas que se deixaram iludir pelo pastor Irineu, tivessem internalizado na sua infância a auto-estima, fossem mais auto-suficientes e contivessem uma boa formação acadêmica não teriam deixado para traz, amigos, trabalho, bens e familiares por uma ilusão de um “cuidador”. Devemos estar mais atentos aos discursos que nos comovem, para entendermos quais os nossos “pontos fracos”, nossas carências e necessidades de proteção para nos policiarmos diante das decisões que podemos tomar nos percursos da nossa vida.



Reverências:



Almeida, João Ferreira de. Bíblia Sagrada. Traduzida para o Português por João Ferreira de Almeida. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969.



Freud, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Tradução de Christiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Imago Editora LTDA, 1976.

______ O mal estar na civilização.

______ O futuro de uma ilusão.



Roudinesco, Elizabethe; Plon, Michel. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1998.

Safatle,Vladimir. Freud como teórico da modernidade bloqueada. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, Núcleo de Educação Aberta e a Distância, 2010.

Disponível em: http://agazetaonline.globo.com/conteudo/2009/04/73569-pastor+da+tabernaculo+separa+casal+em+nome+de+deus.html. Acesso em 23 de outubro de 2010.

Disponível em: http://gazetaonline.globo.com/conteudo/2009/04/74344+pastor+altera+estatuto+da+tabernaculo+para+construir+empresas.html. Acesso em 23 de outubro de 2010.

Disponível em: http://deolhos.blogspot.com/2010/09/justiça-ordena-seita-tabernaculo.html. Acesso em 23 de outubro de 2010.

Disponível em: http://www.astro.saber.com/2007/10/cobertura-de-fe-igreja-tabernaculo.htmal. Acesso em 23 de outubro de 2010.

Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/willian-marrion-branham. Acesso em 23 de outubro de 2010.

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