segunda-feira, 8 de novembro de 2010

REFLEXÕES SOBRE O ANTISSEMITISMO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
NÚCLEO DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA
ESPECIALIZAÇÃO EM FILOSOFIA E PSICANÁLISE
FREUD COMO TEÓRICO DA MODERNIDADE BLOQUEADA


REFLEXÕES SOBRE O ANTISSEMITISMO


Diva Araujo Gonçalves Ximenes


Apesar de repetidamente desacreditado e de ter sua falsificação comprovada, o livro Os Protocolos dos Sábios de Sião se tornou o documento antissemita mais lido em todos os tempos.
Edição 64 – Março

O antissemitismo ou judeufobia, a variante do racismo que foca seu ódio na coletividade judaica nega ao povo judeu o seu direito à liberdade e a independência nacional. Ele possui uma tradição secular com suas raízes na religião, na cultura e no pensamento. Suas manifestações mais violentas já ocorreram - a Inquisição, a expulsão e o Holocausto - onde os nazistas alemães, apoiados pelo governo e seus colaboradores, perseguiram e exterminaram 2/3 dos judeus da Europa entre 1933 e 1945. Os nazistas odiaram e perseguiram especialmente os judeus.
Outra forma de mostrar esse desapreço contra o povo judeu é através da crítica a Israel e negação do direito de ser reconhecido por todos os povos da terra: o direito de autodeterminação. O movimento nacional do povo judeu para ser livre e independente em sua terra se chama sionismo. Ser antissionista é negar ao judeu sua liberdade e independência nacional.
O termo "antissemitismo", com suas conotações biológicas e raciais, foi usado pela primeira vez em 1879. por Wilmer Marr, fundador da famosa Liga Antissemita.
Marr considerava que esse termo antissemitismo era “como uma identidade racial, afirmando que o caráter “inato” dos judeus ou semitas” – da descendência de Sem, um dos três filhos de Noé, registrados no livro bíblico, em Gênesis capítulo 6.9 -10:
“Estas são as gerações de Noé: Noé era varão justo e reto em suas gerações; Noé andava com Deus. Ele gerou três filhos: Sem, Cam e Jafé” –
“era o oposto ao caráter “nobre e puro” dos arianos (Wilmer Marr, ao dizer “arianos”, tinha em mente os teutões e nórdicos, tais como alemães, austríacos, escandinavos, holandeses, ingleses, franceses etc.). Para ele os judeus não podiam deixar de ser o que eram; isto é, homens “inferiores moral e fisicamente”, porque a natureza assim havia predeterminado.
Segundo Freud (O Mal-estar na Civilização, 1930 p.3), algumas pessoas empregam falsos padrões de avaliação, buscando poder, sucesso e riquezas para elas e subestimam tudo aquilo que tem verdadeiramente valor na vida. Para os judeus o relacionamento com Deus, a prática da religiosidade, o cumprimento dos padrões ritualísticos são essenciais em sua vida.
Freud em seu livro O Futuro de Uma Ilusão (1927c), que trata da religião como sendo uma ilusão, enviado para o seu amigo, e que recebeu como resposta que Freud não apreciava “corretamente a verdadeira fonte da religiosidade, fala de uma sensação de “eternidade”, um sentimento de algo ilimitado, sem fronteiras – ‘oceânico”. Para os judeus a religião preenche todas as suas necessidades, tanto emocionais quanto religiosas; ela é o padrão de conduta. Em todas as realizações de sucesso ou de dificuldades eles buscavam a aprovação do seu Deus.
Para Freud (Mal-Estar na Civilização - 1930 p.10) a religião: “Não traz consigo qualquer garantia de imortalidade pessoal, mas constitui a fonte de energia religiosa”. Ele fala que, um grande número de pessoas, na tentativa de obter a certeza da felicidade e a proteção contra os sofrimentos, faz um “remodelamento delirante da realidade e que as religiões da humanidade devem ser classificadas entre os delírios de massa”.
Olhando para a história do povo judeu, toda a sua trajetória de lutas, sofrimentos, tragédias, vitórias e decadências, registradas no livro sagrado, percebo a “necessidade religiosa a partir do desamparo e do anseio pelo pai, que essa necessidade desperta” ( Freud: Mal-Estar na Civilização - 1930 p. 7).
Segundo Safatle (2010 p.19), no interior do problema do desamparo, há um verdadeiro diagnóstico social ligado a certo desencantamento do mundo.
Esse povo tinha um relacionamento muito íntimo com Deus, como um Pai amoroso que compreende, provê as necessidades dos filhos e responde às suas preces. Mas também, de um Pai que repreende e corrige aos filhos, quando estes o desobedecem. O povo de Israel tinha certeza de que era o povo escolhido por Deus. Independente de qualquer falha que cometeu, dos sofrimentos que viveu a sua confiança no Eterno não se abalou.
Também Deus sempre mostrou o Seu propósito para a vida desse povo e de todos os homens. Freud (Mal-Estar na Civilização - 1930 p.8) fala que se os homens não tivessem um propósito para suas vidas, ela perderia o seu valor e que só a religião é capaz de resolver a questão desse propósito para a vida humana. Para ele o que decide o propósito é o
“princípio do prazer, que domina o funcionamento do aparelho psíquico desde o início. O que chamamos de felicidade no sentido mais restrito provém da satisfação de necessidades represadas em alto grau (...). A satisfação irrestrita de todas as necessidades apresenta-se-nos como o método mais tentador de conduzir nossas vidas.
Pessoas sem um propósito definido na vida, sozinhas ou reunidas a outros grupos formando uma massa, quando lideradas por outras pessoas agressivas, podem tornar-se extremamente agressivas também. Segundo Freud é “o impulso de agressividade e de ódio que parece pertencer ao instinto autopreservativo” (Mal-Estar na Civilização - 1930 p.25).
Freud, em seu livro Psicologia das Massas e a Análise do Eu (1994b - p.3), transcreve texto de Le Bon que diz:
“sejam quais forem os indivíduos que compõe, por semelhantes e dessemelhantes que sejam seu modo de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o fato de haverem sido transformados num grupo coloca-os na posse de uma espécie de mente coletiva que o faz sentir, pensar e agir de maneira muito diferente daquela pela qual cada membro dele, tomado individualmente, sentiria, pensaria e agiria, caso se encontrasse em estado de isolamento”.
Freud declara (Mal-Estar na Civilização - 1930 p.2) os dois importantes problemas do desenvolvimento da civilização é o sentimento de culpa e o instinto de destruição (sadismo).
Esse sentimento de culpa (Mal-Estar na Civilização - 1930 p.30), pode ter originado do complexo edipiano, adquirido quando da morte do pai primevo pelos irmãos reunidos em bando. Essa agressão não foi suprimida, mas executada. Depois de tamanho ódio por esse ato de agressão, veio o amor para aplacar a consciência e o inevitável sentimento de culpa, como preço que pagamos pelo avanço em termos de civilização e a perda da felicidade.
Para Freud (Mal-Estar na Civilização - 1930 p.34),
“O superego de uma época de civilização tem origem semelhante à do indivíduo. Ele se baseia na impressão deixada atrás de si pelas personalidades de grandes líderes (...). A analogia vai além, como no fato de, essas figuras terem sido escarnecidas e maltratadas, liquidadas de maneira cruel. Do mesmo modo, na verdade, o pai primevo não atingiu a divindade senão pela morte violenta”.
Nas religiões cristãs, esse sentimento de culpa chama-se pecado, que só pode ser lavado pela confissão e pelo sangue de Jesus Cristo, pregado na cruz do calvário, pelos seus amados filhos, como o pai primevo, que encontrou a morte pelos seus filhos também.
Safatle (2010 p.36, 37) escreve que:
“Freud deriva o início da sociedade da idéia de um assassinato. Como vivíamos inicialmente em pequenas comunidades, teria sido comum que cada comunidade fosse dominada por um macho mais forte, que teria o monopólio das mulheres. Tal macho seria o “pai primevo”. Em um dado momento, os irmãos se unem para matar tal figura. Esse sentimento de culpa vem do fato de que o pai era não apenas o responsável pela coerção, mas também objeto do amor e identificação. (...) Freud acaba por nos dizer que os sujeitos modernos agem como quem vê instituições e figuras reconhecidas de autoridade como instauradoras e responsáveis por uma distribuição desigual das possibilidades de satisfação objetiva”.
Segundo Freud (Mal-Estar na Civilização - 1930 p.34), grande parte das lutas da humanidade centraliza-se em torno da tarefa única de encontrar uma “acomodação conveniente” que traga felicidade. É uma luta individual e uma luta grupal para saber sobre o destino da humanidade. É um conflito constante, se existe alguma forma de se encontrar felicidade e o prazer.
Para ele (Mal-Estar na Civilização - 1930 p.33), a civilização precisa envidar esforços supremos para estabelecer os limites entre o instinto de vida e o instinto de destruição; esses selvagens impulsos instintivos e agressivos que o homem traz dentro de si e que ainda não foram domados, e manter suas “manifestações sob controle por formações psíquicas reativas”, porque creio ser o “maior impedimento à civilização”.
Sabemos que, para a sociedade ser bem sucedida, ela precisa trabalhar com as pessoas individualmente, para que elas também o sejam. É necessário que a sociedade busque unir os indivíduos isolados, as famílias, e também as raças, povos e nações numa unidade grande, que é a humanidade. “A hostilidade de cada um contra todos e a de todos contra um” (Mal-Estar na Civilização - 1930 p.33) atrapalham ao desenvolvimento da civilização.
Precisamos aprender com os demais animais que trabalham em cooperação, como as formigas e outros animais, para a realização pessoal e a dos demais pertencentes ao grupo e a sociedade em geral.





Referências:
FREUD, S. Mal-estar na civilização (1930). Edição standard brasileira das obras completas, Rio de Janeiro, Imago Editora, v. XXI, 1994a.
FREUD, S. Psicologia das massas e análise do eu (1921). Edição standard brasileira das obras completas, Rio de Janeiro, Imago Editora, v. XVIII, 1994b.
SAFATLE, V. Freud como teórico da modernidade bloqueada. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, Núcleo de Educação Aberta e a Distância, 2010.
Disponível em: http://www.morasha.com.br/main_hp.asp
Disponível em: http://www.chamada.com.br)

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